Os adolescentes estão mesmo mais vulneráveis hoje em dia?

08/05/2023

Os adolescentes de gerações anteriores, em suas necessidades e desenvolvimento, não diferem dos adolescentes de hoje. Porém, alguns fatores de risco a mais estão presentes, entenda.

Imagem de Dim Hou por Pixabay

Batemos a marca de 8 bilhões de pessoas no planeta. Foi um crescimento de 67 milhões de pessoas somente no último ano. Do total, a estimativa para a classe de adolescentes a jovens adultos (10 a 24 anos) é de 1,8 bilhão de indivíduos. Somente em nosso país, temos quase 70 milhões de crianças e adolescentes.

Os adolescentes de gerações anteriores, em suas necessidades e desenvolvimento, não diferem dos adolescentes de hoje: todos precisavam e continuam precisando de cuidados básicos para sobrevivência, muito amor, bons estímulos, boa educação socioemocional e instrução formal, bons exemplos, bons limites e boas oportunidades para desabrocharem.

Mas então, o que explica o aumento do adoecimento mental e emocional que eles têm apresentado dia a dia, ou os transtornos de comportamento cada vez mais presentes, ou até mesmo o aumento das tentativas de suicídio infanto-juvenil?

A resposta a essa pergunta é muito complexa e tem inúmeras variáveis, mas certamente as mudanças contínuas que vêm ocorrendo em um tempo cada vez mais acelerado, devido à explosão do desenvolvimento tecnológico em que vivemos, fazem parte da dela. A tecnologia pode ser maravilhosa e realmente nos favorece em quase todas as áreas da vida, mas desde que seja usada dentro de um limite saudável, algo que ainda não estamos conseguindo bem estabelecer. E bem diferente das Gerações X e Y (ou Millennials, ou seja, nascidos até 1996), as Gerações Z (nascidos entre 1996 e 2009) e mais a inda a Alpha (nascidos a partir de 2010) já iniciaram suas vidas mergulhadas na tecnologia.

Segundo as pesquisas do instituto “We Are Social”(1), 68% da população da Terra usa celulares hoje, ou seja, são 5,4 bilhões de pessoas conectadas aos seus aparelhos, um aumento de mais 168 milhões em relação ao ano anterior. Ainda de acordo a mesma pesquisa, a média mundial de uso de internet por dia no último ano foi de 6 horas e 37 minutos, enquanto a média brasileira foi de 9 horas e 32 minutos!, só perdendo para a África do Sul. Já os resultados divulgados em 2022 pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br)(2), baseados na pesquisa TIC Kids Online(3), mostram que 9 em cada 10 crianças e adolescentes são usuários de internet por aqui (93% das que têm entre 9 e 17 anos).

A adolescência é um período de potencialidades, mas também de vulnerabilidades. No cérebro adolescente, algumas conexões neurais são acrescentadas, outras são perdidas e são construídas novas estruturas cerebrais. Alguns cientistas defendem que a adolescência agora vai até os 24 anos de idade pois, antes dos 25 anos, ainda não há a maturação completa do cérebro e esse fator prejudica atividades do córtex pré-frontal, como a de controlar impulsos (freio comportamental), planejar e avaliar consequências de médio e longo prazo, o que aumenta a incidência de ações emotivas, impulsivas e até mesmo agressivas.

É por isso que os adolescentes podem se viciar mais facilmente, pois são hiper emotivos, mais impulsivos e menos capazes de prever a consequência de seus atos. Seus cérebros simplesmente ainda não têm essa capacidade regulada e fica mais suscetível a comportamentos como transgressões a normas e regras, não conseguir enxergar o perigo e achar que “comigo isso não vai acontecer”, buscar por aprovação com os “likes” das redes sociais, acessar pornografia, experimentar de desafios perigosos da internet com preferência por vídeos e jogos com conteúdo violento.

Esse desenvolvimento sempre foi assim. Mas, some-se a tudo isso um novo fator: um aumentado (e em muitos casos irrestrito) acesso à internet e todos os seus “influenciadores”!

O uso da internet tem trazido, segundo muitos estudos (4), um grande impacto nas estruturas de processamento cognitivo de informações. Pode-se definir por cognição o produto das atividades mentais conscientes como pensar, aprender, recordar. Com o uso da tecnologia, está surgindo uma nova forma de cognição, a Cognição Digital, que inclui formas mais superficiais de funcionamento, como escaneamento rápido das informações, trocas de atenção mais rápidas e não-lineares por causa do comportamento multitarefa, diminuições expressivas na capacidade de concentração e foco, perda do poder de memorização e consequente diminuição da capacidade de ler com criticidade e aprender de forma profunda. Quanto mais estímulos (macro estimulação), mais desatenção e erro, menos profundidade e criatividade, mais estresse e sobrecargas, tanto cognitiva quanto emocional. E, quanto mais telas, menos mundo real, menos horas de sono, menos estimulação física saudável como esportes, menos contato com a natureza, menos contato humano (olho no olho, pele com pele, diálogos profundos, trocas emocionais nutritivas para o desenvolvimento do ser).

Eis alguns efeitos do uso problemático ou abusivo da tecnologia na saúde de uma criança ou adolescente, reiterados pela SBP – Sociedade Brasileira de Pediatria:

Saúde Física: surdez temporária ou definitiva (pelo excesso de uso de fones com som acima do indicado); síndrome do olho seco e aumento de miopia; dores nos dedos, mãos e articulações; problemas musculoesqueléticos (postura I-poster – o crânio na idade adulta pesa de 4,5 a 5kg, mas a postura com celular equivale a até 40 kg no pescoço); distúrbios do sono (30 minutos de luminosidade reduz em 20% produção de melatonina) e alimentares (como a obesidade); queda do funcionamento do sistema imunológico; exposição à radiação não-ionizante (que, de acordo com algumas pesquisas, podem favorecer o aparecimento de câncer); não desenvolvimento de habilidades motoras básicas e finas pela falta de estimulação.

Saúde Mental/Emocional: aumento de transtornos de personalidade, de ansiedade e de humor (como depressão e bipolaridade); diminuição da capacidade de lidar com ‘nãos’ e aumento da frustração; atenção reduzida e aumento da hiperatividade; memória prejudicada; menor inteligência emocional e social; atraso do desenvolvimento da linguagem; pior funcionamento executivo do cérebro e cognição como um todo; tendência ao isolamento; hiperespecialização audiovisual com prejuízo desenvolvimento social e comunicativo; falta de desenvolvimento da saúde espiritual, que implica na saúde intrapessoal e na falta de sentido de vida, entre tantos outros.

Então, para ajudarmos nossas crianças e adolescentes a se tornarem menos vulneráveis, a desenvolverem a resiliência necessária contra o imediatismo e a frustração e a se fortalecerem nessa era digital, é preciso que nós, pais/cuidadores e educadores:

- não estejamos também usando a tecnologia de forma abusiva, de forma a darmos o bom exemplo a eles;

- organizemos tempo fora das telas para estarmos com nossos filhos junto à natureza, desenvolvendo atividades esportivas e brincando muito com eles (sim, adolescentes ainda amam brincar assim como os adultos, não é possível uma vida saudável sem sermos lúdicos!);

- brindemos nossos filhos com uma rotina saudável e estruturada: começando pelo tempo de sono suficiente e hora de dormir definida, passando por boa alimentação, tempo adequado para estudo, leitura e atividades físicas, ensino de tarefas domésticas e ajuda na casa, e com especial atenção ao estabelecimento do tempo para uso de tecnologia, com respeito pela classificação indicativa dos jogos e conteúdos da internet, além de os ensinarmos a se protegerem na rede e os supervisionarmos com atenção;

- saibamos quem nossos filhos são na internet, do que gostam, o que os motivam a estar em determinado jogo ou rede social, a assistirem a determinados conteúdos;

- procuremos ajuda especializada se percebermos que tanto nós quanto eles estamos com dificuldade de dosar a tecnologia de forma saudável no dia a dia.

Parafraseando Sherry Turkle, Profa. De Ciência e Tecnologia do Massachusetts Institute of Technology -MIT: “O uso problemático de tecnologia só entra na vida das pessoas quando as relações humanas não ocupam seu devido lugar.”

 

Até a próxima!

Cuide-se bem, sempre!

 

Carina Roma é Psicóloga Clínica, Neuropsicóloga e Especialista em Dependências Tecnológicas. Atua há 16 anos como Psicoterapeuta de jovens e adultos e Orientadora de Pais e Educadores. Conta com mais de 10 mil horas de atendimento a clientes de mais de 10 países. É casada há mais de vinte anos e tem três filhos, dois deles biológicos que hoje são adolescentes – Artur e Henrique - e uma do coração, na verdade sua irmã Natália que tem Síndrome de Down, mas que é considerada como filha querida desde que passou aos seus cuidados. Seu principal foco de trabalho é ajudar a melhorar a saúde mental e emocional das pessoas na nova era digital.

 

  1. https://wearesocial.com/uk/blog/2023/01/digital-2023/
  2. https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2022-08/nove-em-cada-dez-criancas-e-adolescentes-sao-usuarias-de-internet
  3. https://cetic.br/pesquisa/kids-online/
  4. Livro: Dependência de Internet em crianças e adolescentes – fatores de risco, avaliação e tratamento. Young, K. S, Abreu, C. N. Porto Alegre: Artmed, 2019.

 

Imagem de Dim Hou por Pixabay